Derrotar o bolsonarismo imediatamente: com tudo e com todos.

O argumento desse texto é simples: no contexto da tragédia crescente causada pela Covid-19 e pela atuação nefasta do governo federal e das ameaças constantes de golpe, não há nenhuma tarefa mais urgente no momento do que derrotar o bolsonarismo, e para isso devemos contar com todas as iniciativas possíveis, em aliança com todos os setores possíveis.
O bolsonarismo é a corrente político-ideológica liderada por Jair Bolsonaro e sua família, que apresenta um projeto ideológico capitalista reacionário, fascistizante e manipulador. Um falso nacionalismo encarnado como mito, violência, armamentismo, obscurantismo, conservadorismo, intolerância e uma adesão mais recente ao neoliberalismo econômico são alguns dos pilares dessa corrente que, no fim das contas, luta pela manutenção de seus próprios privilégios e por uma espécie de reforma intelectual e moral da sociedade brasileira. Ele é composto pelo clã-Bolsonaro, por seu círculo mais próximo, e pela parte importante da sociedade – hoje, em torno de 25% - que se identifica com seu líder (por qualquer motivo que seja) ou com seu conjunto de valores. Embora lidere a frente que governa o Brasil e seja a mais importante corrente no governo, o bolsonarismo não é a única. Dizer que existem outras correntes que não são exatamente a mesma coisa que ele – a liderada pelos militares, os neopentecostais, os ultraliberais sem escrúpulos ideológicos liderados por Paulo Guedes e até pouco tempo atrás os Lava-Jatistas liderados por Sérgio Moro – não significa que essas não tenham sua cumplicidade com o bolsonarismo e não sejam absolutamente responsáveis por sua chegada ao poder e pelo absurdo diário que é este governo. Essa frente expressa a forma política encontrada em 2018 pelo capital financeiro no Brasil para fazer avançar seu projeto de aprofundamento neoliberal.
Há discussões sobre a caracterização de Bolsonaro e da frente liderada por ele no governo do país. Uma dessas discussões tem a ver com a relação do bolsonarismo com o neofascismo e suas tendências: seria o bolsonarismo uma forma de novo fascismo brasileiro? Seria Bolsonaro um líder fascista? A discussão ser feita nesses termos em pleno processo de ebulição no país fala por si só sobre a gravidade do momento – a simbologia usada por alguns de seus apoiadores, as semelhanças de alguns de seus discursos com os de Benito Mussolini e uma citação literal feita por Bolsonaro numa rede social são elementos bastante eloquentes. Mas deixo isso de lado por ora. O que não está mais em discussão é que o governo Bolsonaro tem tendências autoritárias: busca intervir politicamente nas forças policiais, convocar o tempo todo as forças armadas à manifestação política, enfrentar as decisões do STF e questionar a legitimidade do Congresso. Independentemente da forma como o caracterizamos, uma coisa parece a cada dia mais certa: Bolsonaro e seus amigos não têm apreço algum pela democracia e buscam formas de eliminar a diferença (sobretudo a esquerda).
Estaríamos, então, à beira de um golpe? Atualmente, essa é outra discussão importante na sociedade. Alguns acreditam que estamos às portas de um autogolpe miliciano-militar, que fecharia o regime e implementaria uma ditadura no Brasil com verniz constitucional – a famigerada discussão sobre o artigo 142 da Constituição segue vigente e tem sido evocada em discursos de aliados do governo. Outros acham que não há possibilidades de golpe no curto prazo. Mas, todos concordam que, se ou quando houver correlação de forças para isso, não falta vontade política ao bolsonarismo neste sentido: por eles, encontrariam um formato regime que não atrapalhasse seus objetivos ideológicos e econômicos, o que sem dúvida não seria a democracia que, mesmo com todos os limites e problemas de sua forma burguesa, ainda representa alguns freios e contrapesos às intenções golpistas. Estou entre os que acreditam que não há correlação de forças neste momento para qualquer tipo de golpe de força do bolsonarismo (se houvesse, já teria sido dado), mas que essa é uma das possibilidades no horizonte, e o caos em que o país está mergulhado pode mudar as condições rapidamente.
Neste sentido, independente de considerar ou não o governo fascista, ou se estão dadas ou não as condições para um golpe nas próximas semanas ou meses, o fato é que Bolsonaro e seus asseclas representam uma ameaça à democracia. Isso, por si, traria a dimensão da urgência de imprimir uma derrota histórica para o bolsonarismo. Mas há algo ainda mais importante: o governo Bolsonaro em sua “normalidade democrática” já representa um constante golpe nas classes trabalhadoras e nos setores populares como um todo. Somos, hoje, o epicentro da pandemia da Covid-19 no mundo, e o contágio e o extermínio já mostra um recorte muito claro de classe e de cor: mata mais negros e pobres e destrói diariamente a vida de milhares de brasileiras/os. Vivemos a pior tragédia sanitária do país, e ela está tomando proporções maiores a cada dia. O presidente, com seu negacionismo e suas paranoias, vai criando um ambiente de caos social cada vez mais elevado e sendo responsável pela falta de direção do combate ao vírus, ao mesmo tempo que busca formas de responsabilizar outros setores da sociedade pelas consequências trágicas do seu próprio projeto de governo. Boa parte das milhares de mortes da pandemia no Brasil – e das que virão – podem ser colocadas na conta do bolsonarismo. Nesse cenário, mais ou menos 25% da população brasileira segue apoiando seu líder cegamente e, aparentemente, de forma cada vez mais radicalizada.
A ameaça constante à democracia e a ameaça à vida representada pelo governo fazem com que tenhamos uma tarefa urgente e nacional neste momento: imprimir uma derrota histórica a essa corrente. Não há condições de imprimir essa derrota em nível local, portanto não falo aqui das eleições de 2020. Boa parte das lideranças locais se aliam ao bolsonarismo por oportunismo eleitoral, e seguirão assim enquanto o líder estiver forte politicamente. A única forma de derrotar o bolsonarismo ou de feri-lo de forma decisiva é imprimir uma derrota histórica e nacional: obrigar Bolsonaro a deixar a presidência da república. Não é possível esperar até 2022, porque a situação tende a se deteriorar muito até lá, e não é correto ter ilusões com as eleições municipais: elas podem ser importantes para evitar algumas derrotas pontuais em situações específicas, mas sem destruir a cabeça do bolsonarismo em nível nacional, ele continuará se retroalimentando de forma cada vez mais difícil de deter em nível local.
Nesse sentido, nada é mais importante do que derrotar Bolsonaro imediatamente. Antes de 2022 e antes das eleições de 2020! E não se trata de derrotar eleitoralmente, mas derrotar à força, obrigando-o a deixar a presidência por conta dos graves crimes de responsabilidade que cometeu durante toda sua gestão, por representar ameaça constante à democracia e por ser responsável direto pela morte de dezenas de milhares de brasileiros no contexto da pandemia da Covid-19, com seu tratamento irresponsável. Esse é o principal desafio histórico das forças de esquerda nesse momento, e não há nada que relativize a importância de uma vitória como essa. Neste sentido, ir às ruas, inibir as manifestações fascistóides e demonstrar força contra o bolsonarismo – com todo o cuidado necessário com o distanciamento social – é imprescindível. O contexto de levante popular contra o racismo nos Estados Unidos está criando uma onda de protestos na nossa própria sociedade racista e em vários lugares do mundo. Ao mesmo tempo, torcidas organizadas e movimentos sociais decidiram voltar a ocupar as ruas no Brasil, mesmo no contexto de pandemia.
Bolsonaro, mimetizando Trump, busca intimidar manifestantes e classificar antifascistas como terroristas, quase assumindo literalmente o fascismo como seu. Se setores bolsonaristas se manifestam com truculência e usando símbolos da supremacia branca enquanto o presidente flerta discursivamente com o golpe, não nos resta opção: precisamos avançar e derrotar Bolsonaro já! O momento é de demonstrar força!
É claro que a derrota do bolsonarismo não nos livraria de todos os problemas (restaria todo o resto da extrema-direita, possivelmente com Hamilton Mourão à frente do Palácio do Planalto!), mas enviaria um recado importante para todos os setores que ficarem: tem limite! Daqui, não passarão. E tendo estabelecido essa linha divisória, podemos voltar a avançar e enfraquecer os demais setores da extrema-direita brasileira. Sem o bolsonarismo para liderá-los eles também estarão mais vulneráveis. A manutenção da pressão popular e a aproximação das eleições de 2022, tendem a gerar mais espaços de atuação para as forças progressistas e de esquerda depois de uma eventual derrota histórica do bolsonarismo. Por isso ela é necessária e urgente: é a única saída.
Para essa tarefa, precisamos contar com todos os aliados possíveis e imagináveis. Não importa se são de esquerda, de direita, de centro, liberais, oportunistas, burgueses, arrependidos, nada disso. Devemos apoiar todos os manifestos que tenham como intuito o enfraquecimento do bolsonarismo. Precisamos derrotar o bolsonarismo inclusive deslocando-o dos setores da burguesia que o sustentam: a vertente bolsonarista não pode aparecer como a melhor alternativa para esses setores, porque ela é a mais imediatamente destrutiva para a vida das classes populares. Portanto, precisamos criar toda instabilidade possível, criar mais dúvidas sobre a viabilidade do bolsonarismo nos setores do “mercado” que o sustentam. Todas as iniciativas e os esforços que forem feitos na direção de enfraquecer e derrotar o bolsonarismo nesse momento são válidos porque, atingido esse objetivo, toda a correlação de forças muda de patamar e podemos alcançar outras vitórias, aí de forma separada da maioria desses setores. Seguramente contra eles.
Se, com tudo isso, restar alguma dúvida sobre a urgência da derrubada de Bolsonaro, a principal justificativa para ter todos os aliados possíveis na luta contra o bolsonarismo é que a cada dia que essa corja permanece no poder, mais sofrimento e mais mortes são impostos aos setores populares no Brasil. É tarefa e compromisso ético de todas e todas que se colocam ao lado desses setores dar conta do maior desafio histórico da nossa geração até aqui: tirar esse genocida do poder e, assim, enfraquecer decisivamente sua corrente política.