BALANÇO DAS ELEIÇÕES DO RIO – NOTAS PARA O DEBATE
BALANÇO DAS ELEIÇÕES DO RIO – NOTAS PARA O DEBATE (Comuna/RJ)
Nós, militantes da Comuna – Quarta Internacional na cidade do Rio de Janeiro, compartilhamos por meio desta nota alguns elementos de balanço das eleições municipais na capital sobre os quais convidamos ao debate os(as) militantes dos movimentos social, sindical e popular na cidade, os(as) trabalhadores e a juventude que conosco tem elos políticos e também os(as) filiados do Partido Socialismo e Liberdade.
Direita
O Rio de Janeiro foi reflexo de uma tendência na política nacional, de retomada de espaços políticos e eleitorais pela direita tradicional sobre o bolsonarismo – o que não representa um esvaziamento completo deste, mas um primeiro deslocamento. No Rio de Janeiro, temos novamente um candidato eleito que é, ao mesmo tempo, o candidato da Globo e da milícia, por exemplo.
O discurso da extrema direita tem prazo de validade. À medida que o tempo passa, a ausência de melhorias reais faz com que esse discurso se desgaste. Em parte por conta disso, cerca de 70% dos candidatos apoiados explicitamente pelos Bolsonaros tiveram derrotas contundentes nas urnas em 2020. Isso mostra um desgaste da extrema direita no Brasil, acompanhando um movimento que parece ser global.
O auxílio emergencial tem grande peso na aprovação de Bolsonaro, estacionada nos 40%. Porém, não a explica sozinho. O discurso da extrema direita – incluindo o negacionismo em relação à pandemia – ainda permeia de forma muito sólida o imaginário e o dia a dia dos brasileiros. Pode ser que ano que vem, com o fim do auxílio, o governo se coloque em pior situação perante seus eleitores. Mas só reverteremos esse quadro com muita militância de base e debate pedagógico em todas as camadas da sociedade.
Esquerda
O Rio de Janeiro também refletiu uma consolidação nacional do “perdão” no balanço das desastrosas experiências de conciliação de classes dos governos petistas, com o abonamento do neoliberalismo, da repressão aos movimentos sociais e dos ataques aos direitos sociais, trabalhistas e previdenciários implementados durante 14 anos de governo federal – em aliança com os setores mais fisiológicos e conservadores na política nacional. A suposta unidade da esquerda que tanto se busca construir nas lutas e nas ruas se deu apenas no pior e mais frágil terreno, o do imaginário eleitoral.
O PSOL Carioca, desde a política de alianças votada antidemocraticamente em sua Executiva Municipal e ao longo de toda a campanha, foi um fator importante neste retrocesso de consciência dentro da esquerda. A maioria da direção do PSOL Carioca, comprometida com este giro em direção ao petismo, atuou antes e ao longo de toda a campanha contra a esquerda socialista no interior do partido. Também como resultado desses fatores, a nova bancada do PSOL na Câmara de Vereadores perdeu muito em combatividade e coerência política, com nomes completamente alheios aos movimentos sociais e sem referência neles ou ativistas de empreendimentos políticos do capital financeiro. Paradoxalmente a bancada do PSOL aumenta na câmara, porém com menos combatividade e menos identidade com o programa fundacional do partido.
Não se deve fazer política apenas para as urnas, mas também não se pode menosprezar os resultados que delas saem. O PSOL saiu de um histórico segundo turno, há quatro anos, para uma votação absolutamente aquém das pretensões históricas do partido. Isso tem raízes na falta de democracia interna do partido, afastamento de suas lideranças das bases e a prática de fazer política por cima que esvazia a legitimidade das lideranças. Além disso, grande parte do partido – personificada na figura de Marcelo Freixo – negou suas origens de esquerda radical migrando para um discurso mais alinhado ao “centro progressista”, fazendo com que o partido entrasse numa crise de identidade que se reflete no fracasso eleitoral.
Talvez o maior equívoco da posição política da maioria da direção do PSOL seja, a partir da polarização entre um campo burguês abertamente genocida (Bolsonaro e cia.) e outro composto pela direita tradicional, defender a construção de um terceiro campo com o PT (como se este não tivesse também um projeto econômico e social antagônico aos interesses da maioria explorada e oprimida do povo brasileiro). Este é um giro político generalizado na maioria da direção do PSOL que tem em Marcelo Freixo o seu maior articulador e organizador.
Não é menos importante destacarmos que o PSOL orientou o voto em Eduardo Paes, como parte de um balanço de que o mesmo é um melhor gerenciador do Capital, fato que precisa gerar preocupação na base do partido, pois nos relembra o pensamento que o PT defendeu ao longo dos anos e de sua degeneração. Obviamente o voto em Crivella não era opção, sobretudo se falando do pior prefeito da história do Rio de Janeiro, mas isso não significa o indicativo do voto em Paes. A orientação pelo voto nulo ou liberar a militância do partido para fazer sua própria reflexão sobre Paes ou não já seria de bom tom, pois bastava a orientação de nenhum voto em bolsonaristas, mas infelizmente a direção do PSOL Carioca sucumbiu aos caprichos de Freixo mais uma vez.
Freixo que por sinal merece toda nossa crítica pela postura que vem apresentando internamente no partido, pois além de costurar alianças, sem autorização ou aprovação do Partido, ainda protagonizou o papel lamentável de desistir da candidatura entregando uma bomba na mão de Renato Souza e depois, atendendo aos anseios dos setores de Centro da política carioca, se recolocou na mídia como possibilidade de candidatura, passando por cima do PSOL e da Renata. O PSOL é maior que o Freixo e não deve se curvar frente às suas ameaças. É possível que retorne as sua origem e sobreviva sem Marcelo Freixo, basta que sua direção tenha a coragem de atender as reivindicações da base e retornar ao projeto socialista do PSOL.
Caso de Polícia
O PSOL Carioca indicou para vice-prefeito nas eleições municipais de 2020 o coronel da Polícia Militar Ibis Pereira. Um coronel que foi comandante-geral da PMERJ durante o governo Pezão. Um coronel que propôs aceitar e aprimorar a intervenção militar de Temer no Rio de Janeiro em 2018. Um coronel que tenta desmoralizar milhares e milhares de trabalhadores e jovens que exigem nas ruas o fim da polícia militar. Enfim, um coronel da PMERJ. Um agente do alto oficialato de uma corporação assassina e corrupta. Isto é inaceitável.
A polícia militar é uma instituição assassina, corrupta e profundamente associada econômica e militarmente ao crime organizado (do tráfico de drogas às milícias). A corporação existe para garantir a paz do mercado à custa de uma guerra contra os pobres e contra todos os que se organizam e vão à luta contra a desigualdade social e as injustiças. A fantasia de uma instituição voltada para a segurança pública não sobrevive a uma análise da realidade e do papel cumprido pela polícia militar no dia a dia da ampla maioria da população.
Existe uma legítima polêmica entre os socialistas sobre como lidar com a questão das polícias militares. Desmilitarizar ou extinguir? Tratar os praças como trabalhadores ou excluí-los dos movimentos? Intervir politicamente nestes setores buscando dividir o aparato repressor do Estado ou não? O problema que enfrentamos foi infelizmente bem mais elementar e muito mais politicamente pobre do que estas polêmicas.
Ibis Pereira tem sido atacado por setores da extrema-direita por posições que podem ser consideradas progressistas no ambiente militar. Mas isso não muda o que representa a indicação de um comandante-geral da polícia militar como candidato a vice-prefeito pelo PSOL. Ibis Pereira pode até ser a escolha menos pior como um coronel da PMERJ, mas como candidato pelo PSOL ele é a pior escolha possível. Apesar de diferenças programáticas e metodológicas com a construção de sua candidatura pelo PSOL Carioca,nas eleições municipais, nós da Comuna apoiamos Renata Souza, por tudo que ela representa, por toda a sua trajetória militante. Mas não dá pra apoiar um comandante geral da PMERJ.
Pandemia
Vivemos nesse momento uma espécie de “segunda onda” de uma pandemia que nunca teve a sua primeira onda controlada, por razões multifatoriais. Porém, não podemos desprezar a negligência em relação aos cuidados de isolamento por parte dos partidos políticos durante a campanha eleitoral, incluindo setores do PSOL.
A agenda "política" das eleições burguesas manteve-se mesmo com a grave pandemia que o Brasil vivencia. Apenas os riscos de sair às ruas para votação obrigatória, já seriam fatores suficientes de preocupação em um país com uma política mais responsável que a do Brasil, fato que talvez nos ajude a entender o elevado número de pessoas que não foram votar nessas eleições. Entretanto as eleições contaram ainda com o fator "politicagem" e o resultado foi uma série de flexibilizações das medidas de isolamento social e reaberturas promovidas por políticos que partiram para o "tudo ou nada" - como Marcello Crivella na Capital do Rio - e que resulta na crescente elevação do número de casos de Covid, que superam as marcas do início da Pandemia no Brasil e que já começa a colapsar o SUS, como parte da política de "Estado Mínimo" que vivemos no Rio.
Os tempos são difíceis, e as batalhas são muitas. Como sempre, é preciso ter muita lucidez nas análises para identificar quais são as tarefas colocadas e quais podem ser nossos aliados táticos em cada uma delas. Para os socialistas revolucionários, um conjunto de tarefas se impõem: (a) derrotar o governo de Bolsonaro e Mourão em sua agenda genocida que prega a morte de milhares de trabalhadores como solução da crise sanitária; (b) derrotar a agenda ultraliberal da extrema-direita e seus ataques que seguem em curso, lutando pela defesa e restabelecimento de direitos da classe trabalhadora; e (c) batalhar pela construção de um campo político socialista dos trabalhadores, rumo a uma alternativa anticapitalista para as crises econômica, sanitária e política - que também são as crises do próprio capitalismo.