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ENFRENTAR O BOLSONARISMO SEM VALIDAR A AGENDA ULTRALIBERAL: O PAPEL DO PSOL NAS ELEIÇÕES DA CÂMARA


Gabriel Augusto

Mateus de Albuquerque


No primeiro dia de fevereiro deste ano, acontecerá a eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. O presidente da Câmara tem amplo controle sobre a agenda do legislativo, sendo inclusive quem decide se pautas importantes, como o impeachment vão a plenário. Além disso, também é o terceiro na linha de sucessão da Presidência da República. O Progressistas (PP) oficializou já em dezembro a candidatura de Arthur Lira (PP-AL), representando a atual base aliada de Bolsonaro, formada por partidos que compõem o chamado “Centrão”. Rodrigo Maia, impedido pelo STF de concorrer à reeleição, articulou seus aliados para construir uma candidatura, que, no final de dezembro se formalizou em torno do nome de Baleia Rossi (MDB-SP). O fato de Bolsonaro declarar publicamente apoio a Lira levou partidos auto-identificados com o campo da esquerda a anunciar apoio em Baleia Rossi, em nome de um maior enfrentamento ao nefasto capitão que hoje ocupa a presidência. Foi o caso do PT, do PDT, do PCdoB, da Rede, do PSB. Também foi o caso de metade da bancada do PSOL, além da posição pública dos companheiros do Movimento de Esquerda Socialista (MES), tendência interna do PSOL.


A Executiva do PSOL, após reunião, se posicionou em torno do lançamento de uma candidatura da esquerda. Nesta reunião de Executiva, a Comuna, defendeu que o PSOL apresente candidatura para a presidência da Câmara dos Deputados no primeiro turno da votação. Nos próximos parágrafos, defenderemos esta posição de nossa organização.


Sabemos que o argumento principal dos que defendem o apoio a Baleia Rossi é que este é o melhor caminho para impor uma derrota ao candidato que tem o apoio de Bolsonaro. Contudo, entendemos que este argumento não permite que ignoremos quem é Baleia Rossi e qual o sentido de sua candidatura. O candidato do MDB está entre aqueles que dão suporte ao governo Bolsonaro nos ataques mais violentos aos direitos da classe trabalhadora. A contrarreforma da previdência pública, aprovada com o voto de Rossi, é a principal expressão deste alinhamento. No mandato anterior, o seu primeiro, aprovou a PEC da Morte e a reforma trabalhista de seu correligionário Michel Temer, que ascendeu à presidência contando com o seu voto no golpe de 2016. O histórico de Baleia Rossi na Câmara demonstra seu alinhamento, naquilo que é estratégico, com a política econômica do governo Bolsonaro-Guedes. Posicionou-se a favor do governo em 90% dos casos.


Mas sabemos que os companheiros socialistas que defendem que a bancada do PSOL faça voto crítico em Baleia anunciam não possuir ilusões na agenda econômica que este defende, afinal, ela é a mesma que Maia. A sustentação do apoio se dá, majoritariamente, pelo fato de que Lira, aliado declarado de Bolsonaro, dificultaria ainda mais uma agenda contrária a Bolsonaro no Congresso. O problema é que tampouco Baleia se apresenta como um cumpridor dessa tarefa. Para a “Folha de S.Paulo”, já anunciou que o processo de afastamento do presidente “não é bom para o Brasil”.


Baleia Rossi repete a sinfonia de Maia: notas de repúdio, declarações críticas, postagens nas redes sociais, mas nenhuma ação concreta em nome da derrubada de Bolsonaro. Maia teve em suas mãos 61 pedidos de impedimento do presidente, e nada fez com eles. O establishment liberal-burguês esforça-se para convencer a população de que Maia e seus aliados no Congresso foram um “amortecedor” das maldades de Bolsonaro, mas, na prática, foram cúmplices diretos destas. Concordamos que a derrubada de Bolsonaro é a prioridade da conjuntura, mas discordamos do papel que uma vitória de Baleia Rossi desempenharia em nome dessa prioridade. A luta pela democracia passa diretamente pelo impeachment de Bolsonaro. Com a eleição de um “quase” governista, não comprometido com a agenda do impeachment, o projeto autoritário de Bolsonaro sobreviverá até as eleições de 2022.


Sob muitos aspectos, o bloco de Maia representou uma defesa de Bolsonaro de sua própria incompetência em dar prosseguimento à Agenda Guedes: a reforma da previdência foi reconhecidamente uma vitória com a assinatura de Maia. Vitória deles, derrota da classe trabalhadora. Ou seja, que tipo de frente ampla antibolsonarista queremos construir? Aquela que se anuncia antibolsonarista mas faz isso de maneira altamente oportunista, sem realmente movimentar-se na realidade para isso, ou aquela que de fato age para que a derrubada de Bolsonaro aconteça? Diferenciar aparência de essência sempre foi a tarefa de todos os comunistas revolucionários. A conjuntura pede um antibolsonarismo de essência, não de aparência.


Se apenas Lira e Baleia Rossi forem candidatos, o debate sobre os rumos da Câmara ficará limitado a uma candidatura em acordo integral com o governo e outra que possui acordo substancial com sua política econômica. Uma candidatura do PSOL, por outro lado, levaria para a tribuna as lutas imediatas que travamos contra o governo. Uma candidatura que defenda abertamente o impeachment, a taxação das grandes fortunas, a revogação da EC95, a prorrogação do auxílio emergencial e a vacina para todos. Estas pautas não ecoarão na composição reacionária da Câmara, que impedirá uma candidatura com este perfil de chegar ao segundo turno. Mas dialogam com problemas concretos vividos por nossa classe que precisam ser levados ao debate público pelas vozes de uma esquerda contrária à ordem. Se as bandeiras do Fora Bolsonaro e Mourão não forem levantadas por nós em todos os espaços, inclusive no parlamento, como avançaremos nesta luta? Dizer que uma candidatura do PSOL seria apenas demarcatória (e há momentos em que é necessário demarcar) acaba por ignorar o papel mobilizador e educativo que um partido socialista deve cumprir ao reafirmar seus compromissos programáticos em meio ao quadro geral de despolitização e pragmatismo que nos arrastou até aqui.


Nesse sentido, versar sobre o fenômeno do bolsonarismo como um todo é altamente importante para explicarmos a tática que defendemos. O bolsonarismo é, antes de tudo, um fenômeno societal, que se apresenta como uma narrativa para-estatal, de negação das instituições liberais-burguesas. Nisso, de maneira eficiente, coopta a indignação das massas contra o sistema capitalista e a direciona de maneira funcional à continuidade da reprodução do mesmo. Seu análogo estadunidense, o trumpismo, mantém as garras afiadas mesmo com a derrota eleitoral de seu líder, Donald Trump: o trumpismo continua forte na sociedade civil. Assim, a derrota do bolsonarismo passa não somente por ações institucionais, mas também pelo diálogo concreto com a sociedade, com a construção de um convencimento societal do que o bolsonarismo representa e de sua ampla conexão com o “sistema político” que tanto mesmo denuncia. Ao apoiarmos Baleia, estaremos, na verdade, reforçando a narrativa bolsonarista que nós, os socialistas, somos fiadores do sistema político. Uma candidatura do PSOL pode cumprir este papel, e lograr êxito independente da vitória institucional.


A caracterização da candidatura de Lira não é feita aqui com a mesma centralidade que a de Baleia porque não está em questão o apoio a outra, que tem uma relação mais orgânica com o governo. Não há dúvidas que a vitória de Artur Lira representaria uma vitória de Bolsonaro. Nossa questão é apontar porque a vitória de Rossi pode não significar uma derrota do mesmo. Nesse sentido, no cenário de não restarem mais opções, em um segundo turno, concordamos com o voto em Baleia Rossi. Nesse caso, não estaríamos transmitindo para a classe trabalhadora um alinhamento com o bloco de Maia, e sim, de fato, a escolha por uma opção que, nas minúcias, se coloca como menos pior que a outra. A comunicação do “apoio crítico” aparece de maneira muito mais coerente.


Por fim, registramos que a discussão sobre a tática a ser adotada para a eleição na Câmara dos Deputados, com o impasse em nossa bancada, tornou-se o centro debate no PSOL durante as últimas semanas. Isto no momento em que o Brasil entra com força na segunda onda da pandemia, com elevada taxa de desemprego, fim do auxílio emergencial e alta no preço dos alimentos. Concomitante à tragédia humanitária de Manaus, que anuncia para o Brasil inteiro que a pandemia não acabou e Bolsonaro, Mourão e Maia são fortemente responsáveis por cada uma das mortes causadas por ela. Nossos esforços deveriam estar concentrados nas campanhas pelo Fora Bolsonaro e Mourão, por Vacina para Todos e por uma renda mínima que permita aos trabalhadores(as) mais precarizados(as) atravessarem este momento. Não devemos naturalizar que a institucionalidade paute as organizações e partidos socialistas.


Nossa atuação parlamentar precisa lembrar que o negacionismo bolsonarista e o programa econômico vigente andam lado a lado na produção deste quadro catastrófico. Da mesma forma, é necessário que o PSOL construa sua intervenção com a consciência de que a superação do atual estado de coisas passa necessariamente pelo fortalecimento das lutas além da institucionalidade.

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