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Federações sem Independência Política de Classe: um risco para a construção do PSOL



No último dia 10, a Executiva Nacional do PSOL começou a debater o tema das federações partidárias. Este é um tema novo, resultado de alterações recentes na legislação eleitoral que permitem aos partidos uma "união estável" de 4 anos que contará como única agremiação partidária. Na reunião, foi aprovada uma resolução indicando a abertura de diálogos com a REDE e o PCdoB, partidos que buscaram o PSOL demonstrando interesse em conformar uma federação. A Comuna apresentou o único voto contrário a esta resolução por compreender a urgência do debate programático como orientador da ação partidária e não o pragmatismo político que observamos nas avaliações. Pretendemos com este breve texto apresentar à militância do PSOL os argumentos que nos levaram a esta decisão.

Primeiramente, é necessário compreendermos as características desta nova forma de relação entre os partidos. Uma federação partidária se constitui, conforme a lei 14.208/21, na reunião de dois ou mais partidos políticos que, perante a Justiça Eleitoral, atuarão como uma única agremiação partidária pelo período de 4 anos. Seu registro justo ao TSE obedece às regras de formalização de um partido político, devendo a federação apresentar estatuto, programa comum e ata de eleição de sua direção nacional.

Por estas características iniciais, entendemos que o PSOL deve ser muito cauteloso ao tratar da possibilidade de constituir uma federação. Pelo caráter duradouro e estável dessa nova forma de composição eleitoral, superior ao das coligações pontuais, o critério programático ganha ainda mais relevância. De partida, o PSOL já deve desconsiderar a possibilidade de um programa comum com organizações de direita, centro-direita ou sem identidade política definida. Não podemos compor com organizações que elegerão, com os votos do PSOL, parlamentares que votarão as propostas de interesse da burguesia.

Ao considerar que a federação, de fato, funcionará como um único partido, o critério da independência política de classe nos orienta a rechaçar a construção desse instrumento com setores burgueses. No campo da esquerda, temos grandes divergências quanto a este tema com partidos como o PT e o PCdoB, para os quais é comum participar de eleições em coligações com partidos da direita.

Esta diferença nos faz pensar que o mais adequado seria, caso cogitemos compor uma federação, propor sua conformação com partidos do campo da esquerda socialista, que defendam e pratiquem a independência política de classe, como o PCB, o PSTU e a UP.

Os vínculos entre partidos que uma federação estabelece são muito mais profundos do que uma simples coligação pontual. Não é por acaso que, em decisão que regulamenta a lei, o TSE estabeleceu que federações devem ser registradas 6 meses antes das eleições. Perante a Justiça Eleitoral estas serão lidas como um único partido, e a lei eleitoral determina que o registro partidário anteceda em 6 meses a realização do pleito. O partido que por algum motivo decidir sair da federação antes dos 4 anos de vigência será proibido de celebrar coligações e de utilizar o fundo partidário.

Há um forte e compreensível apelo ao fato de que a federação pode auxiliar o PSOL na difícil tarefa de superar a cláusula de barreira. Este é sem dúvida um argumento relevante, uma vez que a contrarreforma eleitoral de Cunha buscou tornar ainda mais difícil a vida de partidos como o PSOL, aumentando os obstáculos para a consolidação de alternativas políticas da classe trabalhadora. Barreiras como o quociente eleitoral podem, eventualmente, ser mais facilmente ultrapassadas em uma federação, sendo também este um argumento a seu favor. Entretanto, nem mesmo isto é garantido: parte do eleitorado que votaria no PSOL ode deixar de fazê-lo numa federação com o PC do B ou a Rede.

Contudo, é preciso levar em consideração também que uma federação constituída sem uma sólida base programática e uma real atuação comum entre os partidos envolvidos corre um sério risco de ser desconstituída antes do prazo determinado. Se isto ocorre, a penalização aos partidos envolvidos têm consequências tão graves quanto a não ultrapassagem da cláusula de barreira, a exemplo do corte o fundo partidário.

É preciso também perguntar: como compatibilizaremos a construção de uma federação com partidos que tem atuações tão distintas nos estados? Por exemplo, no Ceará e em Pernambuco, o PSOL é oposição aos governos estaduais, enquanto PT e PCdoB estão no núcleo central desses governos. A Rede, em geral, apoia propostas econômicas de cunho neoliberal, e tem mais vínculos com o empresariado do que com setores populares. Tem a vantagem de ter uma preocupação significativa com a questão ambiental; mas seu horizonte é o ilusório e impossível “capitalismo verde”, e não o ecossocialismo. Tendo a federação repercussão em todos os estados, o PSOL abrirá mão de fazer oposição, de ter candidatura própria, de apresentar-se como alternativa de esquerda, para atender aos acordos definidos nacionalmente na federação?

O texto da lei é explícito ao definir que “aplicam-se à federação de partidos todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições, inclusive no que se refere à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais […]”. A vida cotidiana do PSOL nos estados, suas definições para a tática eleitoral, passariam a ser mediadas nacionalmente pelos interesses dos demais partidos da federação. Portanto, a independência política do PSOL ficaria comprometida ao integrarmos uma federação com partidos cuja atuação política é muito distinta da nossa.

Na discussão feita na Executiva, o voto favorável à “abertura de diálogo” tendo em vista uma possível federação foi justificado, entre outros argumentos, por haver boas relações do PSOL ou de parte dele com alguns(umas) militantes do PC do B ou da Rede. De fato, podemos avaliar que alguns filiados ou setores destes partidos poderiam caber no PSOL. Entretanto, isto é muito diferente de uma federação com estes partidos ser compatível com a manutenção do atual caráter de classe do PSOL.

Por fim, a regulamentação da lei das federações orienta que estas sejam apresentadas no fechamento da janela partidária, no mês de abril de 2022. De que forma o PSOL tomará esta decisão? Os companheiros e companheiras que integram a executiva pelo PSOL de Todas as Lutas aprovaram a realização de nossa conferência somente ao final do 1º semestre, meses depois deste prazo. Será a executiva nacional a definir a composição de uma federação?

Na reunião da Executiva Nacional do PSOL, defendemos que este fato novo deveria nos levar a antecipar a realização da Conferência Eleitoral. Não é razoável que tomemos uma decisão que terá impacto na tática eleitoral dos próximos 4 anos sem convocar a Conferência Eleitoral para opinar sobre a questão. A decisão do PSOL acerca deste tema terá validade mesmo depois da realização de nosso próximo Congresso. Isso reforça a necessidade de que a tomemos com base em critérios políticos e programáticos bem definidos e convocando a instância adequada para deliberar, garantindo um amplo debate da militância e das instâncias municipais e estaduais do partido.

Da nossa parte, fomos contrários à resolução de “abertura de diálogo” votada na Executiva. Avaliamos que uma federação com os dois partidos citados nela poderia reforçar de modo significativo, talvez incontornável, as pressões que o PSOL sofre para se adaptar à institucionalidade conservadora e burguesa do Estado brasileiro. Poderia fazer o PSOL deixar de ser um partido politicamente independente do campo de trabalhadores e setores oprimidos da sociedade, e deixar de ser um partido que busca lutar de modo coerente por uma alternativa ecossocialista.

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João Alfredo
Camila Valadão
Ailton Lopes

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