Glauber candidato: pelo direito do PSOL à existência
https://esquerdaonline.com.br/2021/05/18/o-lancamento-de-glauber-e-o-papel-do-psol-em-2021/

por Mateus de Albuquerque*
O ano era 2010. Um idoso, com seus 80 anos recém completos, participava de um debate presidencial. O autor deste escrito tinha apenas 15 anos e assistia vidrado a todas as contendas. Estava preparado para a boa velha e polarização, os “vermelhos” defendendo a esquerda, os “azuis” defendendo a direita. Costumava gostar mais dos primeiros, mas, ainda assim, me sentia abalado pelas denúncias de corrupção, pelas alianças com partidos de direita, pelos bilionários enriquecendo com empréstimo de dinheiro público. Aí aquele mirrado senhor, candidato a ser coadjuvante no debate, me surpreendia. Respondia a José Serra (o “azul” do PSDB) que a política externa não tinha de ser alinhada aos Estados Unidos, que potência imperialista portadora de ogiva nuclear nenhuma poderia condenar o programa atômico de outro país. Ao mesmo tempo, também respondia à Dilma (a “vermelha” do PT). Expunha que ela e Serra tinham muito mais semelhanças do que gostariam de apresentar. Corajoso, disse que a valorização do salário mínimo de Lula era insuficiente, pequena. Seu nome era Plínio de Arruda Sampaio, o primeiro a me apresentar o lado “amarelo”. O primeiro a me apresentar o PSOL.
Quatro anos após, eu já estava na faculdade. Ainda não era filiado ao PSOL, tinha muitas duvidas se ele era realmente a alternativa que vendia ser. De novo a televisão: lá vi a companheira Luciana Genro responder à provocação de Aécio Neves: “linha auxiliar é uma ova”. Vi o debate sobre direitos LGBTs, sobre feminismo, sobre a pauta racial, ser levado programaticamente à disputa presidencial. E resolvi me filiar, o que se concretizou no ano seguinte. O PSOL que queremos está longe de ser um partido eleitoreiro, e é justamente por isso que, quando se permite existir, tem nas eleições um momento tão central de diálogo. Parece uma contradição, mas faz toda a diferença ocupar o espaço das eleições com o acúmulo das lutas, com a conexão direta em relação ao programa socialista, não aquele construído em gabinetes, mas realizado a partir dos enfrentamentos reais da classe trabalhadora.
Com isso, nas eleições, o PSOL cumpre o importante papel de ganhar pessoas ao socialismo. De disputar os corações e as mentes. E isso ele só é capaz de fazer se é apresentado como um partido portador de um programa radical. Mas vejam, não me refiro aqui à sectarismo, à incapacidade de entender processos contraditórios e conjunturais. E sim a radicalidade na essência da concepção: que enfrenta a raiz dos problemas, a exploração do capitalismo. Mas essa radicalidade está condicionada a uma independência. De novo: não a independência de diálogo, não uma narrativa insulada. Temos de ser sim dependentes, dependentes do diálogo com movimentos, dos espaços de luta da classe. Mas independentes de todo e qualquer projeto que tangencia à raiz, que enfraquece a nossa capacidade de dialogar com os problemas concretos das pessoas. Sem independência, não somos radicais.
E isso nunca fez tanto sentido quanto agora. Concordo com a companheira Deborah Cavalcante, da Resistência/PSOL, que Bolsonaro não é página virada, e nossa centralidade deve estar em derrotá-lo. Mas, como derrotá-lo? De onde vem o tal bolsonarismo? Tenho convicção que o bolsonarismo drena uma radicalidade legítima, oriunda das frustrações da classe trabalhadora com o establishment político. Se o PSOL não apresentar as contradições desta captura, de demonstrar que Bolsonaro, na verdade, é alinhado com tudo aquilo que provocou a piora nas condições materiais de vida da classe, quem vai cumprir esse papel? Todas as outas narrativas apresentadas, seja de Lula, seja da chamada “terceira via” (uma disputa tragicômica entre Ciro Gomes, Eduardo Leite, João Doria, Luciano Huck e outros), não se aprofundam na natureza desse problema, preferem fazer elegias a um passado magnífico, em que “respeitávamos as instituições” e a ordem estava dada. Sem apresentar uma alternativa de futuro, dificilmente escaparemos ao presente. Nada disso quer dizer que não consideramos central que haja unidade contra Bolsonaro, mas por que no primeiro turno? Por que uma pressa que envolve abandono de princípios, de programa?
Até aqui meu texto passa a falsa impressão que minha defesa está restrita à existência de uma candidatura própria do PSOL, independente de quem cumpra esse papel. Não é bem isso. O nome que recentemente agrupou diversos setores de nosso partido é o de Glauber Braga, um deputado conhecido e reconhecido por sua combatividade, por não baixar a cabeça. Denunciou de maneira dura o golpe parlamentar que Dilma Rousseff sofria. Sempre pautou a urgência de impeachment de Jair Bolsonaro, não relativizando essa necessidade em detrimento de cálculos eleitorais. E, na minha visão, o mais importante: é hoje o maior inimigo da Agenda Guedes. A Agenda Guedes, outrora Ponta Para o Futuro, é a aceleração da ampliação do neoliberalismo no Brasil. Privatizações, retiradas de direitos trabalhistas, desmonte do serviço público, tudo em nome da garantia de superávits que paguem a dívida pública do capital financeiro. A Agenda é o que unifica Bolsonaro aos setores do capital que pretendem ser críticos ao governo, à grande mídia, e mesmo com aspectos do programa de Lula (que afirma, categoricamente, que será um governo de “diálogo”).
No ato do 29 de Maio no Rio de Janeiro, Glauber foi exaltado pelos trabalhadores da Eletrobrás, em vias de privatização, como seu grande representante. Enquanto o governo aproveita a pandemia par ampliar a Agenda, Glauber mantém-se atento. Glauber hoje lidera a Frente Parlamentar pela Soberania Nacional, é um dos articuladores do Comitê de Luta Pelo Povo Brasileiro Contra as Privatizações. Isso é central. Pois é justamente na Agenda Guedes que reside a natureza principal da contradição do bolsonarismo. É aí que a captura de indignações proposta por Bolsonaro falha. É preciso ser apresentado, em campanha, que não é um “globalismo de esquerda”, uma “destruição dos valores tradicionais” que está causando o terror da condição brasileira. É o neoliberalismo, etapa mais predatória do capital, que destrói direitos, destrói a soberania, que ataca o meio ambiente, que nos sufoca por todos os lados. Precisamos capturar a indignação da classe trabalhadora, pela real natureza do que a massacra.
E, nas eleições, só uma aliança entre o PSOL, o PCB, a UP, o PSTU, sindicatos, entidades e movimentos são capazes de fazer isso. Uma frente programática, uma frente da classe. As eleições anteriores mostraram que o PSOL é forte quando ele se permite existir. E é isso que a candidatura de Glauber Braga significa: o direito à existência de um partido que nos fez sonhar e lutar.
*Mateus de Albuquerque é membro da Coordenação Nacional da Comuna, militante do Coletivo Ecoar: Juventude Ecossocialista e cientista político.