Laicidade do Estado, religião e a pandemia do COVID-19: um olhar feminista

Por Roberta Menezes*
Vivemos um dos maiores dramas da humanidade com a pandemia do novo coronavírus. Desde a emergência da COVID-19, em 2020, e o reconhecimento da pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS), já são 114.067.962 milhões de casos confirmados e 2.530.723 milhões de mortes em todo mundo. No Brasil, o número de pessoas contaminadas chegou a 10.551.259 milhões, e o número de mortes já ultrapassa 250 mil.
A situação torna-se mais trágica no Brasil, face à minimização da gravidade da doença e apelos para a “volta à normalidade”, presente nas declarações do Presidente da República, Jair Bolsonaro, e dos porta-vozes do Governo Federal. Posicionamentos que contribuem para consolidar o negacionismo da covid-19; que favorecem a reabertura de setores econômicos nas cidades, quando defendem o fim do isolamento social; que desqualificam a ciência e estimulam o uso de medicamentos sem evidência científica de sua eficácia; que desestimulam a vacinação em massa, dentre outras manifestações que intensificam a política da morte e exime o Governo Federal de quaisquer responsabilidades de investir na saúde pública, diante da negação da gravidade da pandemia.
Chegamos em 2021 com um cenário pior em nosso país, com média móvel acima de mil óbitos em 39 dias seguidos, com medidas frágeis para evitar a velocidade de transmissão da doença, com o esgotamento da capacidade dos serviços de saúde e uma inércia na vacinação, graças aos erros do Governo Federal na compra tardia de imunizantes e recusa de acordos com fabricantes, e a total ausência de uma coordenação nacional para o plano de imunização.
Diante da tragédia anunciada pelos indicadores de saúde, a exemplo da alta taxa de ocupação de leitos de UTI, gestores de estados e municípios vêm adotando medidas para favorecer o distanciamento social e enfrentar a covid-19, mediante decretos que estabelecem desde toque de recolher a funcionamento de atividades econômicas e religiosas.
Ao examinar alguns decretos, que ora suspendem o funcionamento de atividades religiosas presenciais, ora as colocam como atividades de caráter essencial, perguntamos se realmente as igrejas e templos podem ser caracterizados como serviços essenciais, inadiáveis para uma comunidade. Ao não considerá-los essenciais, é factível considerar que a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população estão sendo colocadas em perigo? Impedir, neste momento, o funcionamento de Igrejas e templos de forma presencial vai de encontro à liberdade religiosa? Implica restrição de um direito?
Acreditamos que a posição de políticos fundada em convicções religiosas e parte das igrejas e templos que defendem a essencialidade destas atividades tem mais a ver com os interesses de poder do que com a religião e do que a preocupação com a saúde de seus fiéis, ao pregarem de forma oportunista e mentirosa que o coronavírus só atinge quem não tem fé. Vale salientar que nem todas as lideranças e organizações religiosas defendem a sua inclusão na lista de atividades e serviços essenciais durante a pandemia do novo coronavírus.
Sabemos que, em um país marcado por um desgoverno que trabalha constantemente para a retração e destruição de direitos, as pessoas buscam mais a religião como uma forma de resistir e amenizar o seu sofrimento. No entanto, a realidade tem nos mostrado variadas possibilidades de formas de encontros, que não sejam missas e cultos presenciais, como as transmissões online, as orações individuais, o trabalho contínuo destes espaços com os enfermos e a população em geral, em substituição às atividades que causam aglomeração, como reabertura de igrejas e templos para atividades presenciais coletivas e que minimizam o distanciamento social físico, tão necessários para evitar a propagação da doença, cuidar de seus seguidores e salvar vidas.
Nós, feministas socialistas, continuamos na luta em defesa do Estado laico e democrático, defesa ainda mais fundamental num cenário que urge pela adoção de medidas de distanciamento social mais severas para a contenção da pandemia, frente ao atual cenário epidemiológico e à capacidade de resposta dos serviços de saúde. Portanto, nenhuma religião e igreja devem continuar a interferir nas legislações de interesse público que adotam medidas de distanciamento e isolamento social. Reforçamos a separação entre Estado e religião, não ceder às pressões de alguns líderes religiosos inconsequentes que estão pouco preocupados com a vida e saúde dos fiéis. Essa tarefa precisa estar agenda do dia do PSOL e dos nossos mandatos no executivo e legislativo: em tempos que conjugam conservadorismo ideológico, negacionismos de diversas ordens e ultraneoliberalismo econômico, é preciso maior entendimento e posições mais firmes em defesa do Estado Laico, dos direitos sociais e humanos, das políticas sociais.
(*) Roberta Menezes é militante feminista, assistente social, professora do IFCE, dirigente do PSOL de Iguatu e militante da Comuna no Ceará.