O CERCO: BOLSONARO TENSIONA, E NÓS RESPONDEREMOS NAS RUAS

Por Mateus de Albuquerque
Os atos em defesa do governo genocida de Jair Bolsonaro, marcados para este dia 07/09, acendem em todos os lutadores e lutadoras o alerta: Bolsonaro estará finalmente marchando rumo a uma aventura golpista? Suas ameaças estão se concretizando? E como devemos nos portar diante de tais circunstâncias? Estas são perguntas que devem estar no topo de prioridade na discussão de qualquer grupamento que se reivindique socialista.
Esta situação tem de ser contextualizada com o atual status do governo Bolsonaro. A situação material da população brasileira está calamitosa. O preço dos alimentos sobe, o desemprego sobe, a gasolina e o gás de cozinha sobem. Para piorar, vivemos uma crise energética que o governo insistiu em negar por meses. Faltará luz àqueles e àquelas que não puderem despender de 30% dos seus rendimentos para pagar a conta. Além disso, a pandemia ainda não acabou e o envolvimento direto do governo com o atraso na compra das vacinas que, estima-se, matou 95 mil pessoas, vai ganhando novos elementos a cada semana. Apenas para trazer a evidência mais recente das relações perniciosas de Bolsonaro em relação à vacinação: nesta semana, o seu quarto filho, Jair Renan, registrou uma empresa em sociedade com lobistas da Precisa Medicamentos, empresa ligada ao líder do governo na câmara, Ricardo Barros (PP-PR) e que estaria por trás do atraso da compra da vacina Pfizer. Fora a vacinação, o esquema de rachadinhas parlamentares, corrupção favorita do cardápio bolsonariano, teve mais um de seus elementos revelados, em uma desmoralizante matéria publicada nesta semana.
Fazemos esse apanhado para relembrar que as ameaças de golpe compõem um mecanismo discursivo do bolsonarismo. Sempre que se veem apertados, sempre que sua fragilidade se expõe, partem para as ameaças golpistas. E assim está se construindo o chamado para o 07 de setembro bolsonarista, com um tom de ultimato. Eles sabem que, ao subir o tom, acuam a todos. As instituições liberais-burguesas são muito mais frágeis do que se apresentam para conter sanhas golpistas, tendo se sustentado nas últimas décadas em cima de delicados consensos não-oficiais entre os atores políticos, credores da ideia de que a estabilidade e a participação democrática procedimental garantiriam a ampliação da extração da mais-valia através da legitimidade dos contratos privados. Nunca tivemos verdadeiros escudos protetores contra bolsonaros, e seu núcleo duro faz uso desse abismo do real para chantagear a todos nós. Nos tornar reféns. A eficiência dessa narrativa é inegável: já existe relativo movimento nas redes pautado que o mais racional deveria ser a não ida, por parte da classe trabalhadora organizada, aos atos no mesmo dia.
Recentemente, Bolsonaro ampliou essa estratégia, já oferecendo em pré-venda uma narrativa de descrédito das eleições de 2022. Emulando Trump e suas críticas ao voto por correio, Bolsonaro mobilizou parte considerável de sua base em torno da contenda absurda de que as eleições deveriam funcionar em um sistema que contemplasse voto impresso, desacreditando, como já fez outras vezes, o sistema eleitoral brasileiro. Bolsonaro sempre soube que a pauta não seria aprovada no Congresso, mas isso indica muito pouco: o circo já está armado e a dúvida já está plantada. Aliás, importante frisar, assusta o alto nível de adesão que a pauta possuiu no Congresso. Sendo uma reivindicação unicamente bolsonarista, indica que há maior proximidade de parlamentares dos partidos tradicionais com Bolsonaro do que se esperava, muitos destes inclusive votaram contrariando as indicações de suas lideranças partidárias. Parte dessa vinculação se explica pelo esquema de transferência de recursos promovido por Bolsonaro a parlamentares, visando se blindar contra o impeachment; mas parte também se explica por um compartilhamento sincero, e perigoso, de valores.
Claro, não podemos resumir os espasmos golpistas de Bolsonaro a uma mera narrativa. Há risco real de golpe, e esse risco se amplia a medida em que o isolamento de Bolsonaro se confirma. Nas últimas semanas, é possível avaliar que esse risco se ampliou consideravelmente. A explicação para isso seria a cruzada do ministro do STF, Alexandre de Moraes, contra as milícias digitais do presidente. Não podemos nos iludir com os cada vez menores números de apoiadores do presidente; sua base é coesa, e essa coesão é, em muito, sedimentada pelas redes de engajamento digital mantidas por Bolsonaro e aliados. Desmontar o nó do Gabinete do Ódio seria um golpe muito duro para o bolsonarismo tolerar.
Aumentam as chances de um “tudo ou nada” por parte de Bolsonaro. São incendiadas as suas redes em nome de ir à guerra no dia 07, pautando que será gigante, colossal, incomparável. Como todo o golpista, se apresenta como um defensor da liberdade: o inimigo é o STF “totalitário” e seus desmandos. O inimigo é o Congresso que não permite que o povo tenha voto “auditável”. E assim está feita a pantomina, a luta contra a democracia se transfigura em luta pela democracia. A coesão (e a radicalização) das bases está feita.
Isso se intensifica ainda mais com a ampliação da crise de Bolsonaro com setores burgueses. Uma relação sempre contraditória e instável, agora chegou no seu pior nível quando frações diversas, como os industriais e os banqueiros, planejam um manifesto em nome da “harmonia entre os poderes”. Apesar de genérica, a carta claramente pode ser interpretada como uma crítica a postura de Bolsonaro, tanto o é que o governo se movimentou para boicotá-la. A burguesia foi fiadora de Bolsonaro pois esse se mostra comprometido com aspectos centrais do projeto burguês: privatizações, redução dos direitos trabalhistas, controle da política monetária nas mãos do mercado financeiro. Mas as denúncias de corrupção, a gestão da pandemia e já mencionada redução da base de apoio tornam Bolsonaro um líder instável na condução desse projeto. Assim, a burguesia busca construir nomes para dar continuidade ao seu projeto desvinculados de Bolsonaro.
O conflito pela legitimidade desta “terceira via liberal” necessita também passar pelo enfraquecimento da luta da classe trabalhadora contra Bolsonaro. Não é à toa que João Doria, um dos que disputam essa vaga, tentou vetar a ocorrência do ato da esquerda o 07 de setembro. Ao mesmo tempo, a existência desta contenda leva Bolsonaro a radicalizar-se: com a autonomia ampliada em relação à burguesia (efeito típico tanto do bonapartismo quanto do fascismo), não sente mais nenhuma amarra a apertar seu corpo putrefato: não é mais necessária a dissimulação de uma imagem “racional” e “moderada”. Sua via mais direta ao poder é o golpismo, pura e simplesmente.
A classe trabalhadora está sob cerco. De um lado, o infame capitão que rege o governo federal amplia a coesão de sua base, que também se estende a setores relevantes do Congresso, e aciona o léxico golpista para a disputa das ruas. De outro lado, a burguesia tenta construir suas saídas, que nos levam à continuidade do abismo neoliberal. A paralisia cautelosa, efeito tendencial daquele que é cercado, não é a saída. “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”: a alternativa é enfrentar o bicho do fascismo com nossa força. Se o risco do golpe é real, o enfrentamos nas ruas. Bolsonaro e a burguesia que lidem com o fato de que a classe trabalhadora é um ator político forte, relevante e destemido.
*Mateus de Albuquerque é membro da Coordenação Nacional da Comuna, militante do Coletivo Ecoar: Juventude Ecossocialista e cientista político.