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SEMANA VERDE ECOSSOCIALISTA DA COMUNA





05 de junho é o Dia Mundial do Meio Ambiente. Há 49 anos, esta data foi instituída pela ONU na Conferência de Estocolmo, com o objetivo de chamar atenção para a importância da preservação ambiental e dos bens comuns da natureza, que eram considerados (e ainda são) como “recursos” inesgotáveis. Embora tenha havido, desde então, uma maior visibilidade e um certo avanço na forma de tratar as questões ambientais ao redor do mundo, ainda há muitas limitações quanto à responsabilização sistêmica pela relação predatória com a natureza, o que restringe as iniciativas somente a ações individuais ou localizadas.


Coube, ao ecossocialismo, espraiar sua análise construída a partir dos territórios e populações mais atingidas pela destruição ambiental, assim como apontar os limites da economia verde e do ecologismo liberal, que pretendem resolver estas contradições dentro dos marcos do capitalismo.


A Comuna, tendência interna do PSOL e organização-membro da seção brasileira da IV Internacional, lança hoje a SEMANA VERDE ECOSSOCIALISTA em alusão ao Dia Mundial do Meio Ambiente, com textos escritos por camaradas da Comuna e que abordam, de forma atualizada e instigante, temas que se relacionam com as lutas ecossocialistas e as alternativas de resistência à barbárie ambiental.


Inaugurando a Semana Verde, publicamos abaixo o primeiro texto de nossos/as camaradas referente ao ecossocialismo, do companheiro Marcelo Soares, militante da Comuna e membro da coordenação do Comitê de Combate à Megamineração no RS e da Frente pelo Clima RS., intitulado "Um programa ecossocialista para o pós pandemia". Boa leitura e boa luta ecossocialista!


Um programa ecossocialista para o pós pandemia


Por Marcelo Soares


Embora estejamos vivendo um momento preocupante de estabilidade do número de contaminações e óbitos por covid-19 em um patamar ainda muito alto no Brasil, não podemos deixar de pensar no que nos espera no pós pandemia, nas tarefas que se impõem para quem luta por um outro mundo ainda possível e cada vez mais necessário. E isso exige uma reflexão muito além das nossas urgências políticas mais imediatas, como o impeachment de Bolsonaro, ou a sua derrota nas eleições presidenciais do ano que vem. Nossa preocupação enquanto militantes ecossocialistas deve superar também a simples crítica ao desmonte das políticas ambientais e a destruição dos nossos biomas e de sua rica biodiversidade, apontando elementos necessários para a construção de um programa de transição que nos permita enfrentar concretamente o atual colapso climático do planeta, tendo o ecossocialismo como horizonte estratégico


Michael Lowy, um dos teóricos marxistas mais respeitáveis da atualidade e pioneiro na difusão do ecossocialismo, tem se debruçado sobre essa necessidade de um programa de transição construído a partir das nossas lutas atuais contra a ação predatória do capitalismo, um programa que coloque questões que sabemos que não encontrarão respostas dentro do atual modo de produção e da sua busca pelo lucro acima de tudo, o que inclui transformar a própria natureza em uma mercadoria. Isso implica em fazermos o debate com os defensores da chamada economia verde, que não estão preocupados com a superação do capitalismo, mas com a sua adaptação a imperativos que o colapso climático nos impõe.


O Green New Deal (Novo Acordo verde), formulado pela Deputada Alexandria Ocasio Gomez e o Senador Ed Markleym, ambos do partido social-democrata, é o maior exemplo de soluções pensadas a partir desta lógica que animou as últimas Conferências Mundiais do Clima, de estabelecer metas para que os países reduzam suas emissões de carbono, para manter o aquecimento global abaixo dos 2ºC. O programa, que tem merecido atenção do Presidente Joe Biden e de intelectuais como Naomi Klein e Noam Chomsky, aposta em um conjunto de propostas que incluem investimentos maciços em tecnologia verde e transporte limpo e desinvestimento em combustíveis fósseis, garantindo que 100% da energia elétrica seja gerada a partir de fontes limpas, renováveis e com zero emissão de carbono até o final da década. Esse conjunto de propostas incluem também a requalificação de trabalhadores hoje empregados nas indústrias de combustíveis fósseis.


Em comparação com o negacionismo climático do ex-presidente Donald Trump, que se negava inclusive a cumprir as metas do Acordo da 21ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015, realizada em Paris, esse programa, se efetivamente adotado, representaria um grande avanço ecológico, contribuindo para o cumprimento das metas necessárias para se evitar o colapso climático do planeta. E ele inclui propostas que seguramente fariam parte de um programa de transição ecossocialista, como a substituição dos combustíveis fósseis por fontes limpas de energia. O problema, além de algumas contradições internas, está na forma como ele será adotado, de cima para baixo, sem a participação dos trabalhadores no seu planejamento, além de ser pensado como uma solução para os desafios atuais da economia americana, que vem perdendo cada vez mais espaços para a economia chinesa.


Como ecossocialistas, cabe-nos resgatar dois pontos que tem sido muito destacados por Michael Lowy em seus textos mais recentes: a necessidade de um planejamento radicalmente democrático e uma visão internacionalista da necessária transição ao ecossocialismo. O planejamento democrático ecológico, tal como Lowy concebe, seria importante para retirar as decisões necessárias a uma efetiva transição ao ecossocialismo, principalmente aquelas que envolvem a supressão dos combustíveis fósseis e quais linhas produtivas devem ser incentivadas, do controle dos bancos e grandes corporações capitalistas, mas também dos burocratas em países do chamado socialismo real:


"O planeamento seria focado em decisões económicas de larga escala -não as de pequena escala, que podem afetar restaurantes locais, mercados, pequenas lojas ou empreendimento artesanais. Mais importante, tal planeamento é consistente com a autogestão, pelos trabalhadores, das suas unidades produtivas. A decisão, por exemplo, de transformar uma planta de produção automobilística para produzir autocarros e elétricos, seria tomada pela sociedade como um todo, mas a organização e o funcionamento internos do empreendimento seriam democraticamente administradas pelos trabalhadores. Há muitas discussões sobre o caráter "centralizado" ou "descentralizado" do planeamento, mas mais importante é o controlo democrático em todos os níveis - local, regional, nacional, continental ou internacional. Por exemplo, questões ecológicas do planeta, como o aquecimento global, devem ser tratadas numa escala global e, portanto, requerem alguma forma de planeamento democrático global." (1)


Vemos assim como, além da questão do planejamento democrático, devemos pensar a transição ao ecossocialismo em escala global, para que indústrias que sofram restrições em determinados países não migrem para outros, como é o caso das empresas mineradoras, principalmente de carvão, que tem se deslocado para a América Latina e o Brasil, sendo que o Rio Grande do Sul está sendo projetado como um grande polo carboquímico em pleno século XXI, justamente quando países europeus e o EUA abandonam esse tipo de exploração, pelo seu alto índice de emissão de gases de efeito estufa. A longa tradição de colonialismo e violência do extrativismo em nosso continente, que não foi superada nem no ciclo dos governos progressistas do início deste século, pode inclusive se acentuar nos próximos anos com o interesse por minerais raros utilizados em aparelhos de ponta, como é o caso do lítio, essencial na fabricação de baterias de carros elétricos e muito encontrado no Chile e Bolívia, ou do nióbio brasileiro, que pode ser utilizado na construção de capacitores eletrolíticos para smartphones.


A própria Amazônia, ao contrário do que defende o nacionalismo bolsonarista, não pode ser pensada apenas em termos dos nove países pelos quais ela se estende, pois a sua conservação hoje é de interesse planetário, justamente pela sua importância para a diversidade e o clima do planeta, pelo seu papel como sumidouro e filtro de gás carbônico, um dos principais gases causadores do efeito estufa. Os povos indígenas e demais habitantes da floresta enfrentam hoje, principalmente na Amazônia brasileira, os inimigos de sempre, como a exploração ilegal de madeira, o avanço da pecuária e da soja e um grande avanço do garimpo, além da ameaça da liberação de mineração em terras indígenas, um dos projetos prioritários na pauta de destruição ambiental que Bolsonaro solicitou ao novo Presidente da Câmara dos Deputados, Arhur Lira, destravar. Torna-se cada vez mais necessário, pois, o apoio à campanha internacional que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) tem desenvolvido, não apenas denunciando a destruição que Bolsonaro e seu Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem causado nesse ecossistema com o incentivo à ação de madeireiros e garimpeiros, mas também as empresas internacionais que comercializam a madeira e os minérios obtidos de forma ilegal.


Os povos indígenas assumem cada vez mais um protagonismo na luta ambiental e em defesa de suas terras, na verdade uma luta pela própria sobrevivência e do seu modo de vida, ameaçado inclusive pelo avanço das igrejas evangélicas nos seus territórios. Defender esses povos e denunciar o genocídio a que sempre foram submetidos, assim como aprender com eles as lições do bem viver, o convívio harmonioso entre si e com a natureza como um todo, é tarefa central dos ecossocialistas. Devemos nos mobilizar principalmente frente aos violentos ataques que os yanomamis tem sofrido atualmente dos garimpeiros, com a clara omissão e mesmo incentivo do Governo Federal. Denunciar as tentativas de criminalização a lideranças indígenas como Sonia Guajajara. Essas pautas devem estar presentes nas manifestações pelo impeachment de Bolsonaro, com a cobrança também do imediato afastamento de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente.


O atual momento de desmonte das políticas ambientais e ameaça à rica biodiversidade de nossos biomas coloca o Brasil como centro da barbárie capitalista, exigindo a construção de um programa que vá além da simples resistência, avançando em propostas que expressem as lutas dos territórios ameaçados, mas também permita a sua superação. Propostas que certamente não serão aceitas pelo Capital na periferia do sistema, para onde são direcionados os investimentos mais predatórios e os agrotóxicos mais prejudiciais à saúde. A própria inserção da nossa economia no mercado mundial a partir da produção de commodities como soja, trigo, carne bovina, minério de ferro e petróleo, precisa ser revista com base na afirmação de um outro modelo de desenvolvimento, soberano e focado na qualidade de vida da nossa população. Isso requer o enfrentamento dos interesses de grandes empresas mineradoras e do agronegócio, ambos aliados ao setor financeiro em uma clara estratégia de reprimarização da nossa economia.


Não pretendemos esgotar nos limites deste artigo todas as propostas que deveriam fazer parte de um programa ecossocialista construído a partir do Brasil, com o claro entendimento que ele requer uma articulação e uma mobilização internacional. Na verdade, nessa Semana do Meio Ambiente em que temos pouco a comemorar e muito pelo que lutar, buscamos apenas apontar algumas bandeiras que devem constituir o eixo desse programa, a ser construído pelas organizações que se reivindicam ecossocialistas, a maioria delas militando no interior do PSOL, procurando fazer com que o partido e suas principais lideranças e candidatos o assumam sem ilusões desenvolvimentistas, ou com propostas da economia verde. Entendemos que as propostas a seguir podem se constituir em um importante ponto de partida para um programa de transição ao ecossocialismo em nosso país:


- Progressiva substituição dos combustíveis fósseis através de maciços investimentos em energias limpas, como a solar e a eólica, embora devam ser considerados os impactos que as torres de energia eólica podem ter sobre a vida das pessoas, as rotas das aves migratórias e a própria paisagem local, impactos esses que podem ser resolvidos com a implantação de pequenos geradores domésticos. Isso implica combater a prioridade dada ao petróleo e, inclusive, ao carvão mais recentemente, como demonstram os diversos megaprojetos de exploração carbonífera previstos para o Rio Grande do Sul.


- Combate ao atual modelo minerário, predatório e saqueador dos nossos recursos, através da soberania popular na definição do que minerar (com a exclusão do carvão por exemplo), com definições de escala e ritmo minerário, respeitando as necessidades, territórios e povos tradicionais, com tarifação justa e controle social e, principalmente, combatendo à obsolescência programada de produtos como os smartphones que utilizam muitos componentes oriundos da mineração.


- Defesa da Amazônia frente ao desmatamento que vem sofrendo com o avanço da pecuária, da soja, da mineração e garimpo ilegal. Isso exige uma campanha internacional de denúncia do Governo Bolsonaro e de boicote às empresas brasileiras e internacionais que se beneficiam com o desmatamento e a mineração na Amazônia. A IV Internacional, à qual a Comuna se filia, soma-se desde já a essa campanha.


- Demarcação das terras indígenas e quilombolas e fortalecimento da sua resistência aos ataques que vem sofrendo aos seus territórios e modo de vida tradicional. Devemos avançar na defesa de um estado plurinacional, que garanta a autonomia dos povos indígenas, sem tutelas.


- Incentivo à produção agroecológica em detrimento dos subsídios a produção de commodities do agronegócio, o que implica também no fim da farra de liberação dos agrotóxicos em nosso país.


- Subsídios para o transporte coletivo nas grandes cidades, com a utilização de ônibus elétricos e tarifa zero, permitindo assim uma gradual substituição da utilização de automóveis.


- Ampliação do controle popular na definição e fiscalização do cumprimento de políticas ambientais, com o fortalecimento dos conselhos e órgãos licenciadores.


- Afirmação da água como um bem comum, combatendo a sua privatização e transformação em uma mercadoria.


- Fortalecimento da educação ambiental nos currículos escolares, com ênfase nas mudanças climáticas.


- Incentivo à redução no consumo de carne e à adoção de uma dieta vegetariana.


Sabemos que muitas dessas questões já são debatidas e algumas podem vir a ser implementadas em maior ou menor grau nos marcos do capitalismo, mas o que pode fazer a diferença no sentido de uma transição para o ecossocialismo é justamente a radicalidade e o controle popular na sua implementação, retirando o poder de decisão das grandes corporações capitalistas e dos burocratas a seu serviço. A atual pandemia do coronavírus demonstrou a incapacidade do atual sistema em lidar com os efeitos destrutivos que ele mesmo gera, acentuando as desigualdades sociais e promovendo um verdadeiro genocídio das populações mais vulneráveis. Não podemos continuar caminhando celeremente rumo a nossa própria destruição sem que tenhamos a coragem de apontar novos rumos para a humanidade. Essa é a grande tarefa da nossa geração. E como militantes revolucionários ecossocialistas não podemos nos furtar a esse debate.


Seguimos na semeadura.


Notas:


[1] Lowy, Michael. O que é o ecossocialismo (1) https://www.esquerda.net/artigo/o-que-e-o-ecossocialismo-por-michael-lowy-1/59573

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